A inovação e o futuro do jornalismo local
O que teria acontecido com essa relação histórica tão importante e
produtiva entre os jornais e o público das cidades brasileiras? Sabemos
que a crise na imprensa mundial está provocando uma revisão nos valores e
objetivos do jornalismo, além de todas as outras mudanças em curso na
área da tecnologia, sistemas de produção, formação de profissionais e
modelos de negócio. Trata-se de uma revisão considerada ainda tímida
porque a preocupação com os lucros permanece hegemônica, mas de qualquer
maneira promissora porque cria novas alternativas para a atividade
jornalística.
Tirania e ditadura
Sempre é possível culpar as novas tecnologias, a crise econômica, o
novo cenário social e político, os erros da gestão familiar ou tantas
outras razões para a morte dos jornais locais. Todas essas explicações
são relevantes e justificadas. Merecem ser pensadas, analisadas e
talvez, comprovadas.
Mas, entre todas as justificativas para os problemas enfrentados pela
imprensa do interior, de forma alguma deveríamos culpar o público pelo
triste destino de tantos jornais locais. Sua participação ou indiferença
em relação aos jornais do interior não deve ser jamais justificada,
ignorada ou menosprezada pelos responsáveis pelo futuro da imprensa.
Esse erro pode ser fatal não só para o futuro do jornalismo local, mas
para o futuro do próprio jornalismo e até mesmo da democracia. Pela
definição do pensador e jornalista Alberto Dines, devemos considerar o
jornalismo como “a técnica de investigar, arrumar, referenciar e
distinguir circunstâncias”. Ainda de acordo com Dines, devemos entender
como circunstância a “situação, estado, condição de tempo e lugar,
particularidade, atributo, causa ou motivo”. Sendo assim, devemos manter
a atividade jornalística para compreender nossa identidade e realidade.
Dines destaca que as situações cotidianas e insignificantes, locais,
nacionais ou internacionais, podem ser tão minuciosamente devassadas a
ponto de se tornarem lapidares sobre a época e as próprias forças da
história. Dessa forma, o jornalismo deve ser sempre considerado
investigativo mesmo nas reportagens mais simples, e deve se consolidar
como prestador de serviços à sociedade. O jornal local deve se confundir
com a identidade do seu público.
Mas a crise no jornalismo não atinge somente o Brasil. Nos Estados
Unidos, embora a tecnologia digital tenha propiciado um panorama de
notícias e informações mais vibrantes do que nunca em várias
comunidades, há mais veículos, sim, mas menos jornalismo local. Quando
há vazios, isto é, menos jornalismo local de qualidade, haverá menos
fiscalização do governo e... mais corrupção.
Em outras palavras: o descaso da sociedade com o noticiário local pode
se tornar o descaso com a política das nossas cidades do interior. E o
descaso abre caminho para ainda mais desgoverno e corrupção, o que é
muito perigoso. Não há democracia sem a participação efetiva da
sociedade e acesso livre à informação confiável. E essa é a
matéria-prima da imprensa séria e de qualidade.
O jornalismo local, regional, nacional ou internacional ainda é a fonte
primordial para que o público obtenha informações e tome decisões. Sem
informações confiáveis e comprováveis, não há possibilidade de
garantirmos a participação do cidadão no jogo democrático e na
fiscalização da gestão pública.
A história comprova que indiferença e o descaso com a vida pública são
as grandes justificativas para a instalação e preservação da tirania e
da ditadura.
Jornalismo e cidadania
Abandonar o jornalismo local é abandonar a nossa história. Assim como
um dia abandonamos o pequeno jornal à sua própria sorte, no futuro
talvez estejamos abandonando a existência das cidades de pequeno e médio
porte, como Nova Friburgo (RJ).
O modelo avassalador e usurpador das grandes empresas, das ideologias
únicas ou das grandes cidades torna o jornalismo local e a existência
dessas cidades algo ultrapassado, irrelevante e desnecessário. Dessa
forma, a defesa do pequeno jornal local deve se confundir com a defesa
da existência do cidadão e das pequenas cidades brasileiras. É
importante reconhecer e louvar que “realmente não é para qualquer
veículo de comunicação um jornal do interior chegar a 68 anos de
circulação ininterrupta”.
Trata-se de “uma conquista e tanto, que merece destaque”. A Voz da Serra
deve se orgulhar muito de seu passado. Afinal, este jornal “ajudou a
escrever a história de Nova Friburgo, relatando os principais
acontecimentos que são notícia no município, o que dá ao veículo
credibilidade e o torna, sem dúvida, um formador de opinião”.
Mas esse passado não é mais suficiente para garantir o seu futuro. É
preciso retomar as características inovadoras e participativas dos
primórdios do jornalismo local no Brasil. O registro do cotidiano ainda é
tarefa primordial própria da atividade jornalística. Mas, para o
jornalista Carlos Castilho, é preciso incentivar o jornalismo
participativo ao “estimular o crescimento dessa interação à medida que
mais pessoas tenham acesso a ferramentas como blogs e redes sociais”.
Inovação não é ameaça para o futuro. Não somos e não devemos ser jamais
reféns do passado. Mesmo que seja um passado de que tanto nos
orgulhamos. Afinal, toda a mudança ou inovação implica ingressar num
território desconhecido que transmite insegurança. E pouquíssimas
pessoas gostam de conviver com a insegurança, a dúvida e a possibilidade
maior de erro.
No caso do jornalismo participativo local ou nacional, existe uma razão
adicional: a perda dos privilégios associados à exclusividade no manejo
da informação. Mas esta é uma sensação passageira, que já afetou os
jornalistas quando ocorreu a popularização do rádio e da TV. As
redações, ou o que sobrar delas, vão acabar se acostumando a ter que
dialogar com o público e os usuários da internet, em vez de ditar regras
informativas e impor agendas noticiosas.
Futuro inovador
Há muitos anos, A Voz da Serra comprova que há muito espaço
para o jornalismo local, independente e idealista, com credibilidade e a
serviço da cidadania. Devemos continuar acreditando no jornalismo
relevante enquanto difusor de notícias e prestador de serviços à
comunidade. Diante de grandes eventos, desastres naturais como as
grandes enchentes ou nos relatos da vida cotidiana, o jornal tem que se
identificar com a comunidade para garantir a sua relevância e
sobrevivência.
Tanto faz o suporte, impresso ou digital, o futuro da Voz da Serra
está intimamente relacionado com a preservação do espírito questionador
e inovador do próprio jornalismo. Um jornalismo que se confunde com os
anseios da comunidade.
A Voz da Serra precisa recuperar e manter sua história de
inovação e participação comunitária. Mais do que nunca, o passado não
pode ser a justificativa única para garantir o futuro de um jornal. Há
muitos anos, A Voz da Serra comprovou que há espaço para o
jornalismo local, independente, idealista, a serviço da cidadania. A
credibilidade e a inovação do passado, no entanto, não garantem a
inclusão do jornal local no futuro das comunidades.
Impresso ou em plataformas digitais, é preciso preservar o interesse e a
participação do público, principalmente os mais jovens, na produção e
manutenção dos jornais locais. O futuro do jornalismo do interior não
está garantido somente pelas suas realizações. É preciso preservar a
vontade e a capacidade de participar da História ao se reinventar todos
os dias com e para o público.
O futuro de um jornal com a história e a importância de A Voz da Serra
deve se confundir com um novo jornalismo que se identifique cada vez
mais com os sonhos e anseios dos cidadãos de Nova Friburgo.
Antonio Brasil é jornalista, professor da Universidade Federal de Santa Catarina
*Matéria coletada no site - Observatório da Imprensa,do dia 21/05/2013 -